Páginas

terça-feira, 13 de maio de 2014

O 13 de maio e o racismo hipócrita nosso de todos os dias....

Cubatão, 13 de maio de 2014.

O 13 de maio e o racismo hipócrita nosso de todos os dias....
Por Tumbi Are Nagô de Oyò*

Se no dia 21 de março escrevi um artigo relembrando Shaperville e citando as políticas de promoção da igualdade racial em curso, no dia de hoje escrevo sobre o racismo hipócrita nosso de todos os dias lembrando dos 126 anos da Lei Áurea, tão comemorada à época e duramente questionada nos dias atuais, principalmente pelos movimentos negros  e negros em movimento que referenciam na data mais uma forma de pontuar, e denunciar, o racismo hipócrita nosso de todos os dias.
Hipócrita porque, após a abolição da escravatura, datada de 13 de maio de 1888, a falta de políticas públicas e ações afirmativas por parte do Estado Brasileiro com foco na população negra, recém-liberta da escravidão, ocasionou uma situação de marginalidade de grande impacto social, mas de nenhuma comoção por parte dos cidadãos e cidadãs no contexto social da época, e que perdura, das mais variadas formas, até hoje.
A ausência de políticas públicas para uma população negra que até então juridicamente nem era considerada cidadã, demonstra o alto nível de irresponsabilidade política que um Estado, às vésperas do republicanismo, ao mesmo tempo que extingue a escravidão (1888),  decreta no dia 28 de junho de 1890 a reabertura do país às imigrações européias e define que africanos e asiáticos só poderiam entrar no país com autorização do Congresso, ou seja, esta nova remessa de europeus vai ocupar os trabalhos nas nascentes indústrias paulistas e assim os europeus pobres são usados mais uma vez para marginalizar o povo negro brasileiro, que de escravizado passa a ‘cidadão sem uma real cidadania’ o que nos remete a uma inevitável pergunta: se havia trabalho formal por que não ofertá-lo ao negro recém-liberto?
Pois bem, e quando dizemos que os negros foram/ficaram sujeitos a ‘uma situação de marginalidade de grande impacto social, mas de nenhuma comoção por parte dos cidadãos e cidadãs no contexto social da época’, estamos afirmando que o racismo naturalizou-se em nosso modus operandi de tal forma que a percepção de que o negro é um ser humano ainda precisa ser alcançada pelo imaginário coletivo brasileiro, pois a desumanização que por mais de 350 anos foi a tônica da filosofia escravocrata no Brasil massificou essa forma de ver, sentir, pensar o negro no Brasil com o estigma que virou legado.
Legado este de uma abolição inconclusa, inacabada, de um racismo ‘à Brasileira’, velado, disfarçado, que em nada contribui para o nosso dito Estado Democrático de Direito que busca de forma tardia a devida reparação, a qual, por conta da hipocrisia com a qual tratamos o assunto, só dificulta o processo de busca pela real cidadania de mais de 50% de sua população que convive com alarmantes índices de desigualdade racial, em especial nos dados relativos à violência contra a juventude negra, acesso à educação, saúde e trabalho, mesmo após 126 anos da dita lei salvadora.
Portanto, o desafio da superação das desigualdades raciais no Brasil, perpassa pela compreensão da sociedade brasileira de que são necessários novos patamares nas relações sociais que historicamente são baseadas em princípios escravocratas com ideologias que até os dias atuais contaminam o imaginário social brasileiro traduzidas no racismo nosso de todos os dias, em suas variadas perspectivas, bananas e demais equívocos graves com os quais inadvertidamente lidamos a todo o momento.
Por fim, nunca é demais lembrar que a dita lei não efetivamente libertou e  que  na manhã de 14 de maio de 1888  ‘cidadãos brasileiros sem real cidadania’ foram abandonados à própria sorte nas periferias, morros e favelas.   



*Tumbi Are Nagô de Oyò é também Júlio Evangelista Santos Júnior, que é Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP


domingo, 23 de março de 2014

A Shapperville nossa de todos os dias...



A Shapperville nossa de todos os dias...
Por Tumbi Are Nagô de Oyò*

Somos culpados até que provemos o contrário, a presunção da inocência parece não se aplicar aos que descendem dos escravizados, daqueles que, mesmos nos dias atuais, não se deixaram aculturar por completo mantendo o tom azeviche em suas peles retintas, apesar de, ainda, muitas mentes colonizadas de todas as cores.
            Julgados no olhar, arrastados pelas ruas e camburões como cargas ou objetos, somos cientificamente classificados como invasores nos espaços coloniais em pleno século XXI. Nossa cor incomoda sim e faz os comportamentos se alterarem a cada diploma, título ou espaço de poder que conquistamos com o mesmo suor biológico que qualquer outro ser humano, mestiço ou não.
            Nos matam institucionalmente e, falando nisso, a seletividade penal sabe sim quem é preto no Brasil, o acesso à Justiça faz o resto e a violência estrutural joga a última pá de cal. Mães pretas por todo o Brasil sabem, e sentem, o que é terem filhos soltos à própria sorte desde 14 de maio de 1888, sem políticas publicas, sem respeito, sem habeas corpus, sem mandado de segurança ou simples sentenças com procedência favorável, restando somente atestados de óbito mal preenchidos e enterros apressados sem a devida causa mortis apurada ou revelada.
            Jogo mal jogado onde a sociedade mestiça impetra um discurso elitizado de moral social/coletiva genocida onde quem tem, deve ‘ter mais’, e quem não tem ‘que se vire e não nos encha o saco’. Relembro Shaperville e marejo em pensar nos meus irmãos em África: apartheid e guetos, mortes aos montes, direitos humanos violados e comparo, e me preparo todos os dias, pois a estatística não nos favorece enquanto pretos no Brasil: morremos mais, diretos a menos, guetos abrasileirados pelo racismo ambiental e mestiçagem hipócrita e mal sucedida.
            Quem sabe um dia, mas ainda não. Julgados radicais por sempre acusarmos nosso extermínio programado, nos mandaram provar e nós provamos, com dados, corpos e lutas e, agora que provamos, não sabem o que fazer, aí sugerimos alternativas e não aceitam, mesmo com os dados e com a caneta na mão. Tomar a caneta seria a solução? Talvez sim, talvez não. Ocupando os espaços e denunciando o racismo velado, institucional e disfarçado, gabaritando os resultados, invadindo os mestrados e as teses de doutorado, ressignificando o passado.
            Bora pra luta e luto, mais um ano e mais uma  vez, por Shapperville lá e por todos os jovens pretos e todas as Cláudias aqui.
            Axé!

Tumbi Are Nagô de Oyò é Júlio Evangelista Santos Júnior,  Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP