A Shapperville nossa
de todos os dias...
Por Tumbi Are Nagô de Oyò*
Somos culpados
até que provemos o contrário, a presunção da inocência parece não se aplicar
aos que descendem dos escravizados, daqueles que, mesmos nos dias atuais, não
se deixaram aculturar por completo mantendo o tom azeviche em suas peles
retintas, apesar de, ainda, muitas mentes colonizadas de todas as cores.
Julgados
no olhar, arrastados pelas ruas e camburões como cargas ou objetos, somos cientificamente
classificados como invasores nos espaços coloniais em pleno século XXI. Nossa
cor incomoda sim e faz os comportamentos se alterarem a cada diploma, título ou
espaço de poder que conquistamos com o mesmo suor biológico que qualquer outro
ser humano, mestiço ou não.
Nos
matam institucionalmente e, falando nisso, a seletividade penal sabe sim quem é
preto no Brasil, o acesso à Justiça faz o resto e a violência estrutural joga a
última pá de cal. Mães pretas por todo o Brasil sabem, e sentem, o que é terem
filhos soltos à própria sorte desde 14 de maio de 1888, sem políticas publicas,
sem respeito, sem habeas corpus, sem mandado de segurança ou simples sentenças com
procedência favorável, restando somente atestados de óbito mal preenchidos e
enterros apressados sem a devida causa
mortis apurada ou revelada.
Jogo
mal jogado onde a sociedade mestiça impetra um discurso elitizado de moral
social/coletiva genocida onde quem tem, deve ‘ter mais’, e quem não tem ‘que se
vire e não nos encha o saco’. Relembro Shaperville e marejo em pensar nos meus
irmãos em África: apartheid e guetos, mortes aos montes, direitos humanos
violados e comparo, e me preparo todos os dias, pois a estatística não nos
favorece enquanto pretos no Brasil: morremos mais, diretos a menos, guetos
abrasileirados pelo racismo ambiental e mestiçagem hipócrita e mal sucedida.
Quem
sabe um dia, mas ainda não. Julgados radicais por sempre acusarmos nosso
extermínio programado, nos mandaram provar e nós provamos, com dados, corpos e lutas
e, agora que provamos, não sabem o que fazer, aí sugerimos alternativas e não
aceitam, mesmo com os dados e com a caneta na mão. Tomar a caneta seria a
solução? Talvez sim, talvez não. Ocupando os espaços e denunciando o racismo
velado, institucional e disfarçado, gabaritando os resultados, invadindo os mestrados
e as teses de doutorado, ressignificando o passado.
Bora
pra luta e luto, mais um ano e mais uma
vez, por Shapperville lá e por todos os jovens pretos e todas as
Cláudias aqui.
Axé!
Tumbi Are Nagô de Oyò é Júlio Evangelista Santos Júnior, Tecnólogo em
Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, Pós-graduando em
Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo
da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção
Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção
Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista,
Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara
Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de
Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP