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domingo, 23 de março de 2014

A Shapperville nossa de todos os dias...



A Shapperville nossa de todos os dias...
Por Tumbi Are Nagô de Oyò*

Somos culpados até que provemos o contrário, a presunção da inocência parece não se aplicar aos que descendem dos escravizados, daqueles que, mesmos nos dias atuais, não se deixaram aculturar por completo mantendo o tom azeviche em suas peles retintas, apesar de, ainda, muitas mentes colonizadas de todas as cores.
            Julgados no olhar, arrastados pelas ruas e camburões como cargas ou objetos, somos cientificamente classificados como invasores nos espaços coloniais em pleno século XXI. Nossa cor incomoda sim e faz os comportamentos se alterarem a cada diploma, título ou espaço de poder que conquistamos com o mesmo suor biológico que qualquer outro ser humano, mestiço ou não.
            Nos matam institucionalmente e, falando nisso, a seletividade penal sabe sim quem é preto no Brasil, o acesso à Justiça faz o resto e a violência estrutural joga a última pá de cal. Mães pretas por todo o Brasil sabem, e sentem, o que é terem filhos soltos à própria sorte desde 14 de maio de 1888, sem políticas publicas, sem respeito, sem habeas corpus, sem mandado de segurança ou simples sentenças com procedência favorável, restando somente atestados de óbito mal preenchidos e enterros apressados sem a devida causa mortis apurada ou revelada.
            Jogo mal jogado onde a sociedade mestiça impetra um discurso elitizado de moral social/coletiva genocida onde quem tem, deve ‘ter mais’, e quem não tem ‘que se vire e não nos encha o saco’. Relembro Shaperville e marejo em pensar nos meus irmãos em África: apartheid e guetos, mortes aos montes, direitos humanos violados e comparo, e me preparo todos os dias, pois a estatística não nos favorece enquanto pretos no Brasil: morremos mais, diretos a menos, guetos abrasileirados pelo racismo ambiental e mestiçagem hipócrita e mal sucedida.
            Quem sabe um dia, mas ainda não. Julgados radicais por sempre acusarmos nosso extermínio programado, nos mandaram provar e nós provamos, com dados, corpos e lutas e, agora que provamos, não sabem o que fazer, aí sugerimos alternativas e não aceitam, mesmo com os dados e com a caneta na mão. Tomar a caneta seria a solução? Talvez sim, talvez não. Ocupando os espaços e denunciando o racismo velado, institucional e disfarçado, gabaritando os resultados, invadindo os mestrados e as teses de doutorado, ressignificando o passado.
            Bora pra luta e luto, mais um ano e mais uma  vez, por Shapperville lá e por todos os jovens pretos e todas as Cláudias aqui.
            Axé!

Tumbi Are Nagô de Oyò é Júlio Evangelista Santos Júnior,  Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP

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