NOTA DO EDUCAFRO NÚCLEO
SANTOS VALONGO
OS
QUASE 15 ANOS DA LEI 10639/2003-11.645/2008: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA
PEDAGÓGICA, A CONSCIÊNCIA NEGRA, O PAPEL DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO E DO
ESTADO NA LUTA RACIAL
por
Fabiana Mendonça e Júlio Tumbi Are *
Nesta I Marcha Metropolitana refletir acerca da
Consciência Negra, pensada por Steve Biko na perspectiva das exigências
pedagógicas e curriculares prescritas na Lei 10639/03-11.645/08, para além da
conjuntura racista que a Escola, o Estado e a Sociedade nos apresentam, é algo que
requer, também, uma autocrítica e um comprometimento fundamental dos
profissionais da educação.
Sim,
sabemos que o termo ‘profissionais da educação’ engloba, além do(a)
professor(a), gestores, supervisores e demais profissionais componentes do
universo escolar/educacional. Contudo, vale ressaltar que equipe pedagógica e
professores exercem papéis fundamentais e de destaque nesse processo de ensino-aprendizgem.
Em
janeiro de 2018, a menos de dois meses, a lei que tornou obrigatório o Ensino
da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira completará 15 anos de sua
implementação legal. E como esses conteúdos estão sendo trabalhado nas escolas
da Baixada Santista, do Estado de São Paulo e do Brasil?
Este
texto é na verdade um convite à reflexão sobre as práticas pedagógicas e os
fatores que as permeiam.
Infelizmente
ainda encontramos, e até recebemos por meios oficiais, materiais com conteúdo inapropriados
ao que determina a lei e, muitas vezes, de cunho racista, tornando fundamental uma
análise, por parte da equipe pedagógica e professores, sobre conteúdos que
apareceram nos materiais didáticos.
Há muitos elementos e produções à
disposição da educação, para além, inclusive, do material didático fornecido
pela direção escolar, cabendo, então, a cada profissional apropriar-se desse
conhecimento nas mais diversas fontes e incluí-lo em seu planejamento, lançando
mão de materiais que tragam personagens
negros em situação de protagonismo, de destaque, de referências positivas sobre
suas funções no contexto, propor situações que aproximem todos os alunos das produções
e contribuições da população negra para a construção da sociedade brasileira,
sejam elas em nosso idioma, vestimentas, danças, músicas, folclore, economia,
artes, histórias de lutas e resistência,
literatura e até mesmo na composição da nossa fauna e flora.
Contudo,
ainda encontramos uma realidade pedagógica pautada na perspectiva da ‘história única’
eurocêntrica onde as questões etnicorraciais
que envolvem a cultura e história afro-brasileira continuam sendo invisibilizadas
provocando um verdadeiro apagamento cultural da figura do negro no contexto
escolar ocasionando sérias conseqüências na formação do aluno. Isso sem contar
com a discriminação racial no espaço
escolar , que parece ser algo sutil, mas
não é e, deixar uma criança, em formação psicossocial, exposta cotidianamente a
um ambiente toxicamente discriminatório é algo muito perverso típico de um racismo estrutural e institucionalmente
predadores.
Situações
como o silenciamento diante dos conflitos ou até mesmo a postura de legitimação
da ação do agressor, piadinhas sobre a estética negra, no caso das meninas
geralmente sobre o cabelo, podem acionar gatilhos mentais e estigmas
relacionados ao corpo e suas características, além de reforçar as relações de
poder que não sendo identificados como casos de discriminação racial são
terreno fértil para a naturalização do racismo e consolidação de traumas para
toda uma vida, dentro e fora da escola.
Ou
seja, o reflexo dessa postura para o processo educacional é muito trágico, pois
a criança negra cresce sem referências étnicas positivas, com baixa autoestima e
podendo sofrer traumas psicológicos irreparáveis. Essa situação prejudica
também a criança branca pois ela cresce com a impressão de superioridade e
internaliza esse modelo de relação, ou seja, esta omissão causa distorções em
ambas e ainda (retro)alimenta o racismo, ao passo que, a escola que,
juridicamente e pedagogicamente, tem
papel oposto a este, não pode, me hipótese alguma, ser um espaço de
segregação.
É fundamental a construção de uma prática
escolar que fomente a criação de uma ética pedagógica não seletiva. Esta ética pedagógica é fundamental para
a desconstrução de preconceitos e corrobora para a compreensão da necessidade
de um ambiente acolhedor e inclusivo livre de racismo ou qualquer outro tipo de
discriminação.
Esta
conduta pedagógica inclusiva, acolhedora e ética precisa ser incorporada no
cotidiano escolar não apenas por ser uma prescrição legal, mas por que os
profissionais envolvidos compreendem o papel da escola nesse processo de
promoção a igualdade racial e de enfrentamento ao racismo. As leis são
fundamentais, contudo ter esta consciência ética é fator fundamental.
Portanto,
a educação deve contribuir para a formação e construção de cidadãos conscientes
e orgulhosos do seu pertencimento etnicorracial respeitando sempre a
pluralidade cultural e étnica presente em nossa sociedade e, para além da
autocrítica já bastante considerada e discutida acima, o Estado Brasileiro, nas
três esferas, por suas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e MEC,
precisam rubricar em seus orçamentos verbas para que a política de fato ocorra
dentro da Educação a partir de projetos político-pedagógicos comprometidos com
a diversidade, materiais adequados e professores devidamente capacitados
periodicamente. A Família Educafro Valongo saúda a Marcha e contribui para o
debate na área da educação com estas poucas linhas reflexivas. Resistir,
Sobreviver, Denunciar!!!! Ubuntu!!!!
Coordenação
Pedagógica / Coordenação Geral
Núcleo Educafro Santos Valongo
*Ambos são coordenadorxs do
Núcleo Educafro Santos Valongo da Regional Baixada Santista do Projeto