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terça-feira, 17 de novembro de 2009

O 20 de novembro e o subconsciente racista que mata e desqualifica, perpetua o embranquecimento e teima em negar o que é óbvio!

Por Júlio Tumbi Are*
Em um país machista, racista, homofóbico e anticamdomblecista, as práticas de extermínio, anulação política e invisibilidade da comunidade negra brasileira em suas diversas formas de se manifestar, existir, interagir, viver e conviver mostram-se mais visíveis a cada estudo feito, a cada analise realizada, a cada relação estabelecida dentro da sociedade brasileira enquanto individuo ou enquanto grupo pertencente a ela.
A forma de racismo adotada pelo Estado brasileiro nos remete a reflexões profundas sobre a condição do negro no Brasil atual. Um Estado que patrocinou a escravidão por mais de 350 anos, que logo depois da abolição inconclusa patrocinou/incentivou o branqueamento da população brasileira e que na contemporaneidade nos propõe um genocídio institucionalizado. Este mesmo Estado que se diz “Democrático de Direito” não pode ser poupado de sua culpabilidade diante dos descendentes dos escravizados que sofrem nos dias atuais dos prejuízos herdados pela desumanidade escravocrata aqui realizada por quase quatro séculos.
Aos que ainda duvidam do branqueamento que façam a abstração do quadro “A Redenção de Cam” de Modesto Brocos, datado 1895, ou que leiam o texto “Os 7 atos que marginalizaram o negro no Brasil” do Projeto Educafro, que mostra no ultimo ato do referido texto o Decreto 528 das Imigrações Européias, datado de 1890. Ou ainda, que visitem num sábado à noite o IML de sua cidade ou ainda que vá até a Vigilância Epidemiológica de sua cidade ou estado e solicite os dados epidemiológicos de mortalidade por causas externas, de mortes por aborto, de violência, etc. … Nem precisa pedir para fazer o recorte racial. Somos a maioria absoluta.
Aliás, soa engraçado, se não fosse trágico como nestes quesitos vê-se a tão citada igualdade entre a nossa porcentagem na população e a nossa porcentagem nos números levantados. Só nestes casos mesmo (aliás nestes casos somos mais que a nossa própria parcela na população), pois nos espaços de poder, na universidade pública, nos cargos de chefia, enfim, a meritocracia racista é fator preponderante e critério fundamental.
Igualdade jurídica e igualdade de fato, erradicação da pobreza e os demais dispositivos legais anti-racismo como até mesmo as convenções internacionais das quais somos signatários enquanto Estado racista e genocida não impedem este mesmo Estado de continuar o plano de extermínio, anulação política e invisibilidade da comunidade negra brasileira.
Pois é, o plano de embranquecimento/branqueamento falhou, somos mais da metade da população atualmente mas o genocídio perpassa pelo racismo à brasileira e suas nuances que invisibilizam nossas mortes e que não chocam a opinião pública pois o status quo é nesse encaminhamento mesmo: morre quem não faz falta, morre quem tem que morrer!
Conjecturas à parte, fico aqui pensando na geral que tomei ontem quando o ‘mão branca’ disse que eu poderia estar vindo de qualquer lugar menos da faculdade, ainda mais de um curso de Direito: “Adidas sujo, calça larga e black pro alto? É ruim hein”. O etnocentrismo estudado e discutido na aula da qual eu acabara de vir ainda é prática do establishment vigente. Ainda é arma na mão do braço armado do Estado. Ainda é desculpa velada e não assumida para os alarmantes índices de mortes violentas tendo como público-alvo ninguém menos que a juventude negra.
Mais difícil ainda é aturar os desinformados contaminados pelo senso comum e pela alienação global e sistêmica nos debates informais pelos bares, pelas esquinas, via internet, nas rodas de samba, nas rodas de rima, ou nos debates formais em salas de aula, no Congresso e demais casas legislativas. Não é diferente nas conversas de quebrada que também trazem nas suas falas carregadíssimos posicionamentos de um racismo à brasileira introjetados em nossas mentes colonizadas. Mas mesmo assim na quebrada, na rua, no terreiro, na favela, na periferia os debates são francos, aliás, que em qualidade se assemelham ou até ultrapassam os debates acadêmicos das salas de aulas, dos espaços políticos, pois na rua não tem meio termo e nem ressonância de tese editada em livro de editora chique com sociólogo internacional e nem ‘lates’ tendenciado ou patrocinado com o nosso dinheiro para depois assinar manifesto contra cotas. O papo na quebrada (sempre atento a alguma viatura que não cansa de mostrar que o direito de ir e vir não é para todos) sempre foi um papo coerente e verdadeiro, sincero e olho no olho. Um monte de preto e preta que admira e confia em nossos ‘corres’ pois sabem lá que é ‘à vera’ nossa luta. Questão de honra e de vida ou morte. Sabem que o racismo institucionalizado tem várias faces, várias armas, vários diplomas e vários cargos vitalícios e definidores das ‘políticas públicas’ que perpetuam nossa condição de subalternidade, porém não com concordância. Sabem que carregamos Dandara, Xangô, Zumbi, Ogum, Iansã, Acotirene, Malcom e que jamais deixaríamos nossas condições de resistência, de quilombolas….
E que se por aí nos chamam de racistas, o que mais me dói é ver os defensores do ’status quo’ se autodenominarem não-racistas. Logo eles que defendem tão bem o modelo tupiniquim de racismo….
E o mês de novembro? Entrevistas, televisão, rádio, jornal, etc..A mesma imprensa que durante o ano todo veicula notícia racista ou que de várias formas perpetua a invisibilidade negra, vêm correndo atrás das lideranças, dos militantes, dos pretos conscientes para falar bonito na telinha. Digo novamente, é ser cômico, se não fosse trágico. Aliás, é tão trágico que depois da ‘geral’ do representante do Estado, chegando em casa vejo o fantástico mundo das telecomunicações tupiniquim mostrar o ‘último jogo do ano da seleção brasileira’ bem na véspera do Dia da Consciência Negra e complementando a piada de mau gosto do dia, em plena véspera do Dia da Consciência Negra insisto, o adversário brasileiro é Portugal, o colonizador amigo. Isso sem falar no destaque todo da mídia para a beleza eurocêntrica existente de ambos os lados, Kaká e Cristiano Ronaldo…. Pois é, meu ‘racistômetro’ está a mil….
Mas como forma de resistência, o povo preto respondeu a altura. Valeu Robinho, Maicon, Adriano e Luis Fabiano!!! E fica aí a dica para o próximo ano: que tragam a Nigéria na véspera do Dia da Consciência Negra!!!
Pois é, falsa abolição, feriadão prolongado, mente colonizada, subconsciente racista, festa, passeata, IML, truculência, Estado, genocídio, semanas de consciência negra, poemas, pois é…E a reparação?

* Júlio Tumbi Are é tecnólogo em Informática, pós-graduando em Gestão de Pessoas, graduando em Direito, Coordenador da Educafro, membro do Coletivo de Estudantes Negros e Negras da Baixada Santista, o CENNBS, membro do Comitê Regional de Saúde da População Negra da Baixada Santista, Vice-presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Cubatão/SP e Ex Coordenador o do Fórum Nacional de Juventude Negra. ( texto de novembro de 2008)

Um comentário:

  1. Saudações Irmão-Camarada!!

    Eu estou a escrever este comentário, para parabenizá-lo, pelo excelente texto e também pelo blog.

    E preciso de manter neste caminho de retidão em compromisso para com o nosso Povo.

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