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terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Quilombo Central e a proposta mais votada da Conferência

por Júlio Tumbi Are *

A juventude negra organizada, fruto da ação histórica do Movimento Negro, e já parte deste, vem construindo suas alternativas na luta anti-racista e pela promoção da igualdade étnico/racial de oportunidades. O Encontro Nacional da Juventude Negra, o Enjune, foi o fruto de uma mobilização nacional que visou ampliar o debate étnico-racial sob a perspectiva da juventude. Durante o Encontro foi formulado o documento de orientação para fins de sugestão, propositura e ações reais de políticas para a juventude negra e apontamentos para a implementação do Fórum Nacional de Juventude Negra. Com esse documento final em mãos, que representa a fala do povo jovem preto, da periferia e em sua diversidade, o Fórum Nacional de Juventude Negra, potencializará o debate em nível nacional e a intervenção política desses(as) jovens negros(as) nos diversos espaços que se fizerem necessários.
E lá fomos nós! Era a primeira Conferencia Nacional de Políticas Públicas para a Juventude e a juventude negra, mais de 50% da juventude brasileira, não podia ficar à margem de um processo tão importante como esse de forma alguma!
Porém, estamos em plena fase de construção do Lançamento Oficial do Fórum Nacional da Juventude Negra a ser lançado provavelmente em julho no município do Guarujá/SP, e sem a totalidade do nosso coletivo presente na Conferência, estávamos tensos e apreensivos em relação aos encaminhamentos e demandas a serem cumpridas em uma Conferência com aproximadamente 2.000 delegados e 4 dias de atividades.
“ Levante a sua bandeira!” era o tema da Conferência e estímulo marketeiro para que as juventudes brasileiras organizadas chegassem à Brasília com a finalidade de defenderem suas propostas, suas idéias e seus ideais.
Tensos e apreensivos sim, pois como um movimento social como o negro, que transversaliza dentro de tudo quanto é movimento, partido e entidade existente, se posicionaria em um evento como este?
Como dizia um parceiro lá de Santos, o irmão Murilo, quando falávamos sobre o assunto por lá: “ Quero ver agora Julião, quero ver agora se essas pessoas são pretas mesmo, ou se são vermelhas, amarelas, azuis, etc. Estamos aqui enquanto Fórum irmão e gostaria que a totalidade do nosso coletivo presente nesta Conferência, assim estivesse.”
“É, o velho dilema de ocupar os espaços enquanto pretos e levar a nossa discussão para esses espaços e não trazer a discussão racial fragmentada desses espaços e tentar dar linha na autonomia do movimento não é diferente nos espaços da juventude negra organizada....”
É importante ressaltar que os processos de Conferência de Juventude foram absurdamente falhos e equivocados, onde a limitação quantitativa de propostas bem como a ‘guetização das juventudes diferentes’ em um só GT (o da diversidade) foram os pontos mais discutidos/discutíveis nos processos municipais, regionais e estaduais de Conferência. Sem falar nas “plenárias fantasmas”, onde não haviam aprovação ou supressão de propostas, deram o caldo amargo que faltava para o insucesso do produto político dessas Conferências.
Mesmo assim, lá estávamos nós, mais ou menos uns quarenta a cinqüenta pretos na capital federal ‘enquanto Fórum Nacional de Juventude Negra’ preocupados com a intervenção a ser feita e, lógico, articulando e mobilizando mais jovens pretos e pretas para somarem na luta negra do nosso debutante Fórum.
Reuniões da coordenação provisória e plenárias nacionais deram a linha de atuação ao Fórum dentro da Conferência e, pela primeira vez na minha vida, eu vi o que se espera dos pretos e pretas nos espaços políticos, acontecer: ser negro e negra acima de tudo, ser negro e negra acima de todas as outras cores.
Falando em marketing, involuntariamente ou inconscientemente, decidimos não somente levantar a nossa Bandeira. Demarcamos foi território. E, diferentemente dos tempos da Escravidão, o Quilombo que criamos dentro da Conferência foi no centro do espaço e à vista de quem quer que fosse. Algumas plantas que decoravam o espaço aliadas às muitas faixas de denúncia que os Fóruns Estaduais de Juventude Negra levaram para Brasília (faixas sobre o genocídio, os 120 anos da falsa abolição, exigindo reparações, etc...) fizeram uma verdadeira fortificação que atendia pelo nome de “Quilombo Central – Escritório Político”. Nesse espaço panfletamos o nosso texto direcionado aos delegados e delegadas da Conferência, nos reuníamos para as inúmeras conversas e diálogos com outros grupos e movimentos, descansávamos, articulávamos, re-articulávamos, etc...
E as pessoas do Brasil inteiro? Estas deram um show à parte ao visitarem o nosso Quilombo Central e por inúmeros motivos ouso dizer: os(as) que eram, os(as) que se consideravam e até os (as) que não sabiam que eram negros se identificaram instantaneamente com aquelas bandeiras, uma branca e o a outra preta, escritas em letras garrafais FÓRUM NACIONAL DE JUVENTUDE NEGRA. Já os(as) não-negros munidos de respeito e curiosidade aliados ao interesse por aquela enorme fortificação que bradava por reparações e denunciava o genocídio da juventude negra caminhavam inconscientemente e paravam e nos perguntavam o porque de tantas faixas, cartazes e bandeiras.
Não fomos reféns em nenhum momento de grupos, partidos ou movimentos durante tal processo. Dialogamos com os(as) negros(as) delegados da Conferencia na perspectiva de que participassem das diversas discussões enquanto pretos e que assim se posicionassem a partir de então. Acordos políticos e não votações em bloco, diálogos francos e não práticas anti-éticas já conhecidas de antigos processos e grupos. O Fórum Nacional de Juventude Negra, fruto do Enjune, participou de todos os grupos de trabalho procurando defender seus posicionamentos já consensuados no relatório final do Enjune e no GT de jovens negros e negras demos a deixa que faltava aclamando o que ali objetivávamos: fazer valer a nossa voz, a voz de 5.000 jovens negros que participaram do Enjune, dentro da Conferência Nacional de Juventude. O “Reconhecimento e aplicação, pelo poder público, transformando em políticas públicas de juventude as resoluções do 1º Encontro Nacional de Juventude Negra (ENJUNE), priorizando as mesmas como diretrizes étnico/raciais de/para/com as juventudes” foi a proposta mais votada da Conferência Nacional de Juventude com 634 votos não por sermos a maioria simples e nem absoluta de delegados(as) na Conferência. Sempre fomos os mesmos cinqüenta do inicio do texto. Estratégias e articulações à parte a nossa indignação não suavizou, anestesiou e nem nos fez, ou fará, parar enquanto não houver justiça, igualdade étnico-racial de oportunidades, fim do racismo e consequentemente do genocídio da juventude negra. Xangô brada por justiça e reparação e a juventude negra não está fora dessa luta pois é a principal vítima dessa execução sumária de seres humanos que o Estado Brasileiro vem perpetuando há mais de 500 anos. Vida longa ao Fórum Nacional de Juventude Negra! Êa povo negro!!!!Êa!!!

* Júlio Tumbi Are é tecnólogo em Informática, graduando em Direito e pós-graduando em Gestão de Pessoas, coordenador do Educafro, membro do Coletivo de Estudantes Negros e Negras da Baixada Santista, o CENNBS, Vice-presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Cubatão/SP e Coordenador provisório do Fórum Nacional de Juventude Negra (texto de maio de 2008).

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