Santos, 20 de novembro
de 2018.
Mais barulho, menos
silêncio nas relações raciais
Por Júlio Tumbi Are *
Não é de hoje
que o Estado Brasileiro vem descumprindo
a sua missão de promoção da igualdade racial e de enfrentamento ao racismo na
sociedade brasileira. Pelo contrário, fecha os olhos para o racismo
institucional e estrutural que impede o acesso aos direitos mais fundamentais
da maioria da população brasileira e, para completar o cenário de invisibilidade
e silenciamento imposto à população negra no campo das relações raciais, a
sociedade ignora o problema e as pessoas reproduzem o discurso presente no
imaginário coletivo que, ao invés de colaborar
para a solução do problema, intensifica, ainda mais, o abismo social de
desigualdade existente entre a população branca e a população negra em nosso
país.
Todas as
instituições democráticas brasileiras, por sua vez e sem exceção, caçoam da condição de mais da metade negra da
população brasileira. Essa inércia nacional para a questão racial ainda pode
piorar, pois praticamente todas as tentativas realizadas até aqui de promoção
da igualdade e de enfrentamento ao racismo, diante do recrudescimento do
conservadorismo notoriamente manifesto via redes sociais e pelo resultado das
eleições presidenciais, estão sob risco iminente de serem erradicadas do
ordenamento jurídico brasileiro, do organograma dos entes federativos e da
ordem do dia da implementação de políticas públicas afirmativas. A retirada do
status de Ministério da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
no Governo Federal e a extinção, ou redução de tamanho/importância, de várias Secretarias, Coordenadorias,
Departamentos, Diretorias de Igualdade Racial pelas Prefeituras e Governos
Estaduais aliados a não implementação das políticas públicas já garantidas em
lei, como, por exemplo, a Política de Saúde da População Negra e a Lei
10.639/2003-11.645/2008 , são alguns dos muitos sinais preocupantes de
retrocesso no avanço das ações afirmativas tão duramente conquistadas graças à
luta dos Movimentos Negros que desde a redemocratização vem pautando a urgente
necessidade destas ações.
Enquanto o
tambor grita em mais uma intervenção cultural em ‘alusão ao Dia da Consciência
Negra’, mais corpos negros são dispensados da sociabilidade pelos agentes do
próprio Estado que deveria proteger o direito e igualdade racial e à vida dos
mais de 100 milhões de brasileiros e brasileiras que, descendentes de africanos
escravizados, são, hoje no Brasil, sinônimo de resistência, resiliência, superação e de luta por dias melhores.
Precisamos
romper o silêncio com nossos barulhos, sairmos desse não-lugar que o racismo
nos condicionou, ressignificar os (pré)conceitos, problematizar e esgogtar as
discussões. Zumbi e Dandara, são nossas bases e que alcemos vôos cada vez mais
altos sempre referenciando nossos mortos, pois Marielle, Moa, Amarildo e Cláudia
não partiram em vão. Falta muito, além do muito já conquistado. Que não nos
vendamos por pouco diante do muito que continua nos sendo roubado. Steve Biko e
Oliveira Silveira, quando cunharam o termo Consciência Negra, nos diziam para
continuarmos, nos aquilombarmos e focarmos nos avanços, sempre dialogando,
estudando, agindo, coletivamente reorganizando, solidariamente atuando sempre
honrando nossos mantos. Que nossa memória e o nosso legado africano sejam
valorizados e que nossa vitória seja muito mais nobre do que uma simples
vingança de um povo que nunca foi derrotado. Pelo direito de ser humano tendo vida,
liberdade, segurança, propriedade e igualdade como metas e dignidade como base e princípio. Por
Palmares, por Ngola Janga!!!!
Júlio Evangelista
Santos Júnior, popularmente conhecido como Júlio Tumbi Are, é militante do
Movimento Negro, Advogado, Servidor público, Tecnólogo em Informática com
Ênfase em Gestão de Negócios, graduando em Ciências Sociais na USP , Presidente
da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra do Brasil e Vice-presidente
da Comissão da Igualdade Racial da OAB SP Subseção Santos, Presidente do
Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Cubatão, membro do
Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e de Promoção da
Igualdade Racial de Santos e Coordenador Geral do Projeto Educafro Regional
Baixada Santista Núcleo Santos Valongo e ex-diretor do Departamento de
Igualdade Racial de Cubatão
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