Ano passado escrevi pouco, mas em
todas as vezes que parei para escrever sempre me referi ao racismo à brasileira
como aquele tipo de racismo que vem eivado de hipocrisia e cinismo, aliás traços bem característicos da
brasilidade, diga-se de passagem e que, portanto, carregamos em nossos
comportamentos estando no bojo das relações sociais em terra brasilis.
Pois bem, infelizmente vivemos em
um país racista que na maioria das vezes não admite que o é e se comporta de
maneira organicamente reativa a toda e qualquer tentativa de promoção da
igualdade racial como que se a abolição tivesse resolvido todos os problemas
daquela significativa parcela da população brasileira.
Entendo que a dívida histórica que
o Brasil possui com o povo negro parece não comover as atuais gerações da
sociedade brasileira e, por mais que as ações afirmativas, quais sejam as políticas
de promoção de igualdade racial e étnica e as políticas de enfrentamento ao racismo
estejam bastante avançadas em nível institucional, também temos, em sentido
contrário, o racismo institucional
bastante pernicioso e perspicaz dentro destas mesmas instituições as quais
costumam não assumirem o fracasso coletivo tanto em lidar com o assunto quanto
colocar o respeito à diversidade em prática.
Dia 21 de janeiro é Dia Nacional
de Combate à Intolerância Religiosa. Dia que lembramos outubro de 1999 quando o
Brasil testemunhou um dos casos mais drásticos de discriminação contra os
religiosos de matriz africana. O jornal Folha Universal estampou em sua capa
uma foto da Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos – a Mãe Gilda – trajada com
roupas de sacerdotisa para ilustrar uma matéria cujo título era: “Macumbeiros
charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A casa da Mãe Gilda foi
invadida, seu marido foi agredido verbal e fisicamente, e seu Terreiro foi
depredado por evangélicos. Mãe Gilda não suportou os ataques e, após enfartar,
faleceu no dia 21 de janeiro de 2000.
Pois bem, o Brasil, enquanto
Estado Democrático de Direito, é um Estado laico (por mais que não pareça), ou
seja, sem religião oficial e, por este motivo, para além do respeito a todas as
formas de manifestações religiosas, deve procurar manter, na forma da lei, a
liberdade religiosa como direito humano de todas e todos os brasileiros
garantindo o que reza nossa Constituição Federal quanto “...à inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias...”, e “....é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva....”, e ainda “....ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei...”
Para
além do cinismo e hipocrisia que (des)estruturam as relações raciais no Brasil,
a questão da fé também hierarquiza tais relações e quando o assunto são as religiões
de matriz africana ainda temos no Brasil um problema muito sério na relação
Estado X Sociedade , Sociedade X Comunidades e Indivíduo X Sociedade, pois no
que tange às garantias constitucionais referentes às liberdades de crença e
culto, temos nos exemplos os mais diversos inúmeras demonstrações do despreparo
do Brasil, enquanto Nação e Estado Democrático de Direito em lidar com a sua própria
diversidade religiosa, que o diga etnicorracial.
Exemplos? Vários, mas aqui alguns poucos, pois
nos inúmeros terreiros e casas de axé invadidos, seja por fanáticos religiosos,
quanto pela própria polícia (aliás muitos desses casos não são levados a conhecimento público por
medo de retaliação e futuras perseguições), quanto a permanente ridicularização
que os adeptos destas religiões passam cotidianamente em seus locais de
trabalho, estudos , lazer e entretenimento,
ou ainda da própria desconsideração institucional dos sacerdotes e sacerdotisas
de matriz africana enquanto ministros e ministras religiosos que por muitas
vezes foram, e continuam sendo em muitos lugares, impedidos de simplesmente atenderem seus
filhos em hospitais públicos, são algumas das muitas demonstrações do racismo
institucional, interpessoal e pessoal, latente e vil que nossa sociedade
carrega e não assume.
.A solução passa pelo
enfrentamento ao racismo a partir da efetiva implementação de ações afirmativas
e das políticas de promoção da igualdade racial e étnica, assumindo com coragem
a questão de colocar na mesa pautas como
liberdade religiosa X fundamentalismo e proselitismo religioso, segurança
pública X violência urbana e, principalmente, pela necessidade de entendermos
que somos um país plural, onde o respeito seja princípio norteador de uma
convivência religiosa harmônica e pacífica. Boto fé!!!
*Tumbi Are Nagô de Oyò é também Júlio Evangelista Santos Júnior, que é Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, graduando em Pedagogia, pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP
*Tumbi Are Nagô de Oyò é também Júlio Evangelista Santos Júnior, que é Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, graduando em Pedagogia, pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP
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