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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Liberdade Religiosa: tolerância não, convivência e respeito!



Ano passado escrevi pouco, mas em todas as vezes que parei para escrever sempre me referi ao racismo à brasileira como aquele tipo de racismo que vem eivado de hipocrisia e  cinismo, aliás traços bem característicos da brasilidade, diga-se de passagem e que, portanto, carregamos em nossos comportamentos estando no bojo das relações sociais em terra brasilis.
Pois bem, infelizmente vivemos em um país racista que na maioria das vezes não admite que o é e se comporta de maneira organicamente reativa a toda e qualquer tentativa de promoção da igualdade racial como que se a abolição tivesse resolvido todos os problemas daquela significativa parcela da população brasileira.
Entendo que a dívida histórica que o Brasil possui com o povo negro parece não comover as atuais gerações da sociedade brasileira e, por mais que as ações afirmativas, quais sejam as políticas de promoção de igualdade racial e étnica e as políticas de enfrentamento ao racismo estejam bastante avançadas em nível institucional, também temos, em sentido contrário,  o racismo institucional bastante pernicioso e perspicaz dentro destas mesmas instituições as quais costumam não assumirem o fracasso coletivo tanto em lidar com o assunto quanto colocar o respeito à diversidade em prática.
Dia 21 de janeiro é Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Dia que lembramos outubro de 1999 quando o Brasil testemunhou um dos casos mais drásticos de discriminação contra os religiosos de matriz africana. O jornal Folha Universal estampou em sua capa uma foto da Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos – a Mãe Gilda – trajada com roupas de sacerdotisa para ilustrar uma matéria cujo título era: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”.  A casa da Mãe Gilda foi invadida, seu marido foi agredido verbal e fisicamente, e seu Terreiro foi depredado por evangélicos. Mãe Gilda não suportou os ataques e, após enfartar, faleceu no dia 21 de janeiro de 2000.
Pois bem, o Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, é um Estado laico (por mais que não pareça), ou seja, sem religião oficial e, por este motivo, para além do respeito a todas as formas de manifestações religiosas, deve procurar manter, na forma da lei, a liberdade religiosa como direito humano de todas e todos os brasileiros garantindo o que reza nossa Constituição Federal quanto “...à inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias...”, e “....é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva....”, e ainda “....ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei...”
            Para além do cinismo e hipocrisia que (des)estruturam as relações raciais no Brasil, a questão da fé também hierarquiza tais relações e quando o assunto são as religiões de matriz africana ainda temos no Brasil um problema muito sério na relação Estado X Sociedade , Sociedade X Comunidades e Indivíduo X Sociedade, pois no que tange às garantias constitucionais referentes às liberdades de crença e culto, temos nos exemplos os mais diversos inúmeras demonstrações do despreparo do Brasil, enquanto Nação e Estado Democrático de Direito em lidar com a sua própria diversidade religiosa, que o diga etnicorracial.
 Exemplos? Vários, mas aqui alguns poucos, pois nos inúmeros terreiros e casas de axé invadidos, seja por fanáticos religiosos, quanto pela própria polícia (aliás muitos desses casos  não são levados a conhecimento público por medo de retaliação e futuras perseguições), quanto a permanente ridicularização que os adeptos destas religiões passam cotidianamente em seus locais de trabalho, estudos ,  lazer e entretenimento, ou ainda da própria desconsideração institucional dos sacerdotes e sacerdotisas de matriz africana enquanto ministros e ministras religiosos que por muitas vezes foram, e continuam sendo em muitos lugares,  impedidos de simplesmente atenderem seus filhos em hospitais públicos, são algumas das muitas demonstrações do racismo institucional, interpessoal e pessoal, latente e vil que nossa sociedade carrega e não assume.
.A solução passa pelo enfrentamento ao racismo a partir da efetiva implementação de ações afirmativas e das políticas de promoção da igualdade racial e étnica, assumindo com coragem a questão de  colocar na mesa pautas como liberdade religiosa X fundamentalismo e proselitismo religioso, segurança pública X violência urbana e, principalmente, pela necessidade de entendermos que somos um país plural, onde o respeito seja princípio norteador de uma convivência religiosa harmônica e pacífica. Boto fé!!!

*Tumbi Are Nagô de Oyò é também Júlio Evangelista Santos Júnior, que é Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, graduando em Pedagogia,  pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP

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