Palmares, 20 de novembro de 2015.
por Tumbi Are Nagô de
Oyò *
Década de 70, Século XX, Steve
Bantu Biko em África do Sul, já dizia o seguinte sobre o que viria a ser
consciência negra: “.......numa breve definição, a Consciência Negra é, em
essência, a percepção pelo homem negro da necessidade de juntar forças com
seus irmãos em torno da causa de sua atuação – a negritude de sua pele – e
de agir como um grupo, a fim de se libertarem das correntes que os prendem
em uma servidão perpétua....”.
Trata-se de um recorte de texto redigido provavelmente em 1971 na
África do Sul. Destinava-se à formação de lideranças da SASO (Organização dos
Estudantes Sul-Africanos), como um exemplo do que Steve dizia aos membros de
sua organização na luta contra o apartheid sul-africano e que no Brasil serve
como referência na luta antirracista.
Brasil, mesma época, o Movimento Negro Brasileiro, bradando por dias
melhores, e de preferência sem racismo, estrategicamente elevou a patamar de herói
nacional Zumbi, aquele que simbolicamente representava todo o anseio de uma
parcela da população que lutava contra um racismo maquiavélico que se
transforma a cada questionamento, que cientificamente usa como base um falso e
retórico mito da democracia racial que postula a igualdade como base onde o que deve prevalecer seria uma ‘consciência
humana em detrimento a uma consciência negra ou consciência branca ‘, etc.
Pois bem, falemos de Zumbi, falemos de Dandara, falemos de Palmares, o
Quilombo que, em pleno século XVII, trazia no bojo de suas relações os
primeiros lampejos de uma república verdadeiramente livre nas Américas. Falemos
de Palmares na perspectiva de uma sociedade alternativa que não reconhecia o
poder da Coroa e que institucionalmente o/a desafiava estabelecendo negócios e diversas
relações comerciais com vilas e povoados vizinhos a ele de tal forma a ser
reconhecido como uma comunidade de ‘livre acesso aos que livres não eram’ e
onde todas e todos tinhas oportunidades de constituírem família, moradia e
relações sem a mácula do modo de produção escravista, desumanizador e letal a
índios, africanos e afrobrasileiros.
A estratégia de elevação de Zumbi e da tomada de uma consciência negra
(pertencimento e identidade) sobre seu valor e sobre sua contribuição para o
país, em plena ditadura, demonstra a sagacidade de um Movimento plural e
continental que buscava por todos os meios possíveis romper com o silenciamento
e invisibilidade que a questão racial era tratada no Brasil. A escolha da
provável data da morte de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro, também demonstra
a maturidade política de observar a história contada e questioná-la colocando
em xeque a historiografia oficial que denota o 13 de maio como o dia ‘mais
importante para os direitos da população afrobrasileira’, dia este, aliás, já
comentado em textos anteriores como uma data teoricamente vazia do ponto de
vista de importância simbólica para a população afrobrasileira, haja visto aproximadamente
apenas 5% dos negros à época ainda estarem escravizados, sendo esta, portanto,
uma lei pra ‘inglês e o capitalismo verem’ e também uma estratégia imperial,
quase republicana, de adequação de todo um sistema a uma nova realidade
político-social-econômica onde o que menos importava era a condição do negro da
época e sim a situação financeira da já quase república brasileira.
Menos importava porque as leis e
decisões políticas da época ( Decreto de Imigração Européia de 1890, a queima
dos documentos relativos à escravidão, o Código Penal e a ilegalidade da
capoeira e do candomblé
e a ausência de políticas
públicas de inclusão da população negra na sociedade da época, por exemplo) demonstraram
pouca ou nenhuma preocupação com os negros recém-libertos ou já livres de
outras formas, deixando nítida a despreocupação já secular com a situação
vexatória e desumana com a qual o negro vivia no Brasil e que hoje podemos traduzir
em Racismo Institucional, genocídio da juventude negra, desigualdade de
oportunidade e acesso à educação, saúde, trabalho e renda, racismo ambiental, moradia
e todos os demais direitos humanos e sociais que possamos imaginar em um país
que se diz democraticamente racial e harmoniosamente miscigenado.
Chega a ser redundante a quantidade de textos e artigos que são
produzidos a todo 20 de novembro e demais datas simbolicamente importantes para
a luta antirracista, quais sejam o 21 de janeiro, o 13 de maio, o 25 de julho,
o 27 de outubro, porém Steve Biko, Zumbi e Dandara dos Palmares, Luiza Mahin,
Luiz Gama, João Cândido, Zeferina, Tereza de Benguela, entre outras e outros,
nos mostram que a luta por igualdade, e também por garantia/reconhecimento/respeito
das diferenças, é um desafio de toda a sociedade brasileira e que seus exemplos
devem ser referenciados, lembrados e reproduzidos nas atitudes dos mais de 200
milhões de brasileiros e brasileiras que ainda são enternecidos por um racismo
à brasileira que dá continuidade ao destino indelével do negro que desde a
escravidão só conhece sangue e dor em terras brasileiras.
Portanto: “.......a percepção pelo homem negro
da necessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da causa de sua
atuação – a negritude de sua pele – e de agir como um grupo, a fim de
se libertarem das correntes que os prendem em uma servidão perpétua....” deve
ser interpretado como a necessidade de se pensar uma nova sociedade onde as
ideologias de dominação pereçam e o preconceito e a discriminação se diluam, e
se despedacem, em um pensamento/ação de efetiva igualdade onde racismo seja só
uma referência teórico-político-social a um passado de dor e perdas para a
sociedade brasileira. Que o homem e a mulher negros juntem forças com seus
irmãos, negros e brancos, para que os mais de 53% da população brasileira tenham
igualdade de oportunidades e que toda a sociedade brasileira tenha consciência
negra todo dia, principalmente enquanto a consciência humana não deixar de ser
racista e preconceituosa.
*Tumbi Are Nagô de Oyò é também Júlio Evangelista
Santos Júnior, que é Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios,
Advogado, graduando em Pedagogia, pós-graduando em Direito Constitucional
Aplicado e também sobre Igualdade Racial na Escola, militante do Movimento Negro, poeta, sambista,
candomblecista, membro efetivo das Comissão da Igualdade Racial e da Verdade
sobre a Escravidão da OAB SP Subseção
Santos e da Subseção Cubatão, membro colaborador da Comissão da Diversidade
Sexual da OAB SP Subseção Cubatão/SP,
Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de
Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática
Especial de Igualdade Racial do CONDESB, Diretor do Núcleo de Estudos Indígenas
e Afrobrasileiros da Unaerp Campus Guarujá e Diretor do Departamento de
Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP
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